Brasil sai do Mapa da Fome e reacende debate sobre desigualdade estrutural
- Monica Stahelin
- 30 de jul.
- 3 min de leitura

A mais recente divulgação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU) confirmou a retirada do Brasil, pela segunda vez neste século, do Mapa da Fome, lista que identifica países onde mais de 2,5% da população sofre de subalimentação crónica.
A notícia é considerada uma vitória política e social, mas também um alerta sobre a fragilidade dos avanços na área da segurança alimentar.
Uma nação agrícola que convive com a fome
O Brasil representa um exemplo marcante: mesmo figurando entre os maiores produtores de alimentos do planeta, continua a enfrentar obstáculos históricos para assegurar que toda a população tenha acesso justo e suficiente à alimentação. A contradição entre fartura agrícola e privação alimentar já havia sido destacada há décadas por figuras como Josué de Castro, médico e geógrafo que liderou a FAO e sempre sustentou que a fome tem raízes políticas, e não naturais.
Para o economista Renato Maluf, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), é inaceitável que um país com as características do Brasil tenha figurado no Mapa da Fome. A saída em 2024 decorre da reestruturação de políticas públicas que foram descontinuadas em anos anteriores, como o Bolsa Família, que voltou a ser implementado com novos parâmetros, reforçando a transferência de renda para os mais vulneráveis.
Informações do IBGE indicam que, entre 2022 e 2023, cerca de 24 milhões de brasileiros deixaram de viver em situação de insegurança alimentar grave. Em 2023, a taxa de pobreza extrema foi reduzida para 4,4%, o menor patamar desde o início da série histórica da FGV Social, iniciada em 2012.
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Políticas públicas e impacto social
O regresso do Partido dos Trabalhadores ao governo coincidiu com a reinstituição de programas estruturantes, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar e o reforço da agricultura familiar. Segundo a Rede Penssan, rede de especialistas em segurança alimentar, estas medidas foram cruciais para reverter o cenário agravado nos anos anteriores, sobretudo durante a pandemia de covid-19.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, o Brasil voltou a integrar o Mapa da Fome. Esse retrocesso coincidiu com a extinção do programa Bolsa Família e a criação do Auxílio Brasil, alvo de críticas por parte de especialistas devido à descontinuidade e à ausência de critérios técnicos consistentes. Nesse período, entre 2019 e 2021, a proporção de pessoas em subalimentação aumentou para 3,4%, chegando a 4,2% no triénio seguinte.
O sociólogo Giuliano Salvarani, da ESPM, sublinha que o problema da fome no país está mais relacionado ao empobrecimento da população do que à pobreza em si, e reforça que os progressos recentes evidenciam o papel central de decisões políticas voltadas à promoção da justiça social. “É um problema que só pode ser resolvido com prioridade orçamental e compromisso com os direitos humanos fundamentais.”
Conquista e alerta
Apesar do progresso, os especialistas alertam que o risco de retrocesso permanece elevado. “Foi uma surpresa positiva que apenas dois anos de reconstrução bastassem para tirar o Brasil novamente do Mapa da Fome”, afirma Maluf. Contudo, lembra que o desmonte anterior também ocorreu em curto espaço de tempo, o que revela a fragilidade institucional do país.
A Rede Penssan sublinha que ainda há sete milhões de brasileiros em situação de fome e que os impactos continuam a ser sentidos de forma desproporcional por grupos racializados, mulheres, habitantes de zonas rurais e classes sociais mais baixas. O combate à fome, segundo a organização, exige ação contínua, intersectorial e sustentada.
Para o economista Marcelo Neri, da FGV Social, a queda histórica nos níveis de pobreza é explicada por uma combinação de transferência de rendimentos, aumento do emprego formal e crescimento real dos salários, especialmente entre os trabalhadores rurais do Nordeste, onde a renda cresceu 33% em dois anos.
Lições históricas e reconhecimento internacional
O êxito actual é comparado ao obtido em 2014, quando o Brasil também havia saído do Mapa da Fome sob governos do PT. À época, as políticas do programa Fome Zero colocaram o país como referência internacional na luta contra a insegurança alimentar. Para Frei Betto, um dos idealizadores do programa, a conquista recente é resultado da continuidade dessa visão política: “Poucos governos assumiram a fome como um problema central. Lula fez isso desde o início.”
A nota técnica do Ministério do Desenvolvimento Social considerou a saída do Mapa da Fome como “a maior conquista do governo Lula 3”, alcançada antes do previsto no plano Brasil Sem Fome. Ainda assim, o governo e a sociedade civil reconhecem que a permanência fora do Mapa dependerá da manutenção do compromisso político, económico e institucional com os mais vulneráveis.
M.S.
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É um avanço positivo ver o Brasil saindo do Mapa da Fome, mas a situação ainda exige muita reflexão. Como um dos maiores produtores de alimentos, é surreal que a desigualdade estrutural continue afetando milhões.
Obrigada Lula! Por fazer tanto pelo Brasil.