Perrier sob suspeita com escândalo da água mineral a abalar França
- Monica Stahelin
- há 3 dias
- 3 min de leitura

A reputação de pureza da icónica marca francesa de água engarrafada está a ser posta em causa, após revelações sobre práticas ilegais de tratamento e alegada conivência do Estado com a indústria. O caso está a gerar forte controvérsia em França e poderá ter implicações profundas para o sector das águas minerais.
A indústria francesa da água engarrafada, avaliada em milhares de milhões de euros, enfrenta acusações graves depois de investigações conduzidas pelo jornal Le Monde e pela Radio France terem revelado que pelo menos um terço da água mineral vendida no país foi sujeita a tratamentos proibidos pela legislação europeia. Os métodos incluem filtração por luz ultravioleta, filtros de carbono e malhas ultra-finas, usados para eliminar bactérias.
Apesar de a água tratada continuar segura para consumo, as práticas levantam questões legais e éticas. De acordo com a legislação da União Europeia, a designação "água mineral natural" apenas pode ser utilizada quando o produto é engarrafado tal como é recolhido da fonte subterrânea, sem qualquer alteração na sua composição.
Alterações climáticas e impacto nos aquíferos
Especialistas como a hidróloga Emma Haziza alertam que os efeitos das alterações climáticas estão a afetar de forma direta a qualidade das águas subterrâneas profundas. Segundo a investigadora, desde 2017, o sul de França tem enfrentado uma sucessão de secas severas, com impacto significativo nos aquíferos, incluindo aqueles considerados historicamente protegidos.
A fonte da Perrier, localizada numa zona densamente povoada entre Nîmes e Montpellier, está particularmente exposta a riscos de contaminação, devido à agricultura intensiva e a inundações repentinas que arrastam poluentes para o subsolo. Haziza refere que a ligação entre os aquíferos superficiais e os profundos está agora comprovada, o que levanta sérias preocupações sobre a sustentabilidade da exploração contínua destas fontes.
No ano passado, três milhões de garrafas foram destruídas na unidade da Perrier devido a contaminação detetada. A empresa, no entanto, continua a garantir a pureza do produto, afirmando que a água é captada a 130 metros de profundidade sob camadas de calcário, e que o perfil mineral se mantém inalterado.
Publicidade
Governo francês sob críticas por alegada proteção à indústria
O escândalo ganhou contornos políticos depois de alegações de que o governo francês terá tentado minimizar o problema para proteger um sector considerado estratégico. Uma comissão de inquérito do Senado acusou o executivo de ter seguido uma "estratégia deliberada de dissimulação", suprimindo relatórios técnicos e permitindo alterações regulamentares para evitar sanções a marcas como a Perrier.
Laurent Freixe, presidente executivo da Nestlé, empresa que detém a marca Perrier, admitiu perante o Senado que foram usados métodos de filtração não autorizados. Também confirmou que um relatório oficial desaconselhou a renovação do estatuto de "água mineral natural" para parte da produção da empresa.
Como resposta à polémica, o governo francês solicitou à Comissão Europeia um parecer sobre os limites aceitáveis de microfiltração na definição legal de água mineral natural. O ex-chefe de gabinete da primeira-ministra Élisabeth Borne reconheceu um erro de apreciação, mas assegurou que nunca houve risco para a saúde pública.
Atualmente, a Perrier afirma ter deixado de utilizar microfiltração ultra-fina de 0,2 mícron e passou a aplicar um sistema de 0,45 mícron, alegadamente com aprovação das autoridades. Apenas dois dos cinco poços anteriormente usados mantêm pedido de renovação do estatuto de água mineral natural. Uma decisão oficial deverá ser conhecida até ao final do ano.
Marca histórica aposta na diversificação
Criada no século XIX e popularizada no início do século XX por investidores britânicos, a Perrier tornou-se uma referência mundial no mercado da água engarrafada. A forma característica da sua garrafa e a imagem de pureza ajudaram a construir uma marca global com grande valor comercial.
Nos últimos anos, a empresa tem apostado na diversificação da sua oferta com a linha Maison Perrier, composta por bebidas com gás e sabores. Ao contrário da água mineral, estes produtos não estão sujeitos às mesmas restrições legais quanto ao tratamento da água, permitindo maior flexibilidade tecnológica.
Apesar da aposta em novos produtos, a empresa afirma que não pretende abandonar a produção da sua água mineral original. Contudo, num contexto de alterações climáticas e pressão regulatória crescente, o futuro da marca poderá depender da capacidade de adaptação a novas exigências ambientais e legais.
M.S.
Receba as principais notícias direto no WhatsApp! Inscreva-se no canal da Globe News
Comments