Juiz absolve agressor e é criticado por preconceito na Relação
- Monica Stahelin
- 1 de mai.
- 2 min de leitura

O Tribunal da Relação de Évora condenou um homem por violência doméstica, revertendo uma decisão anterior do Juízo Local Criminal de Santarém que o havia absolvido. O acórdão da Relação critica duramente a conduta do juiz de primeira instância, acusando-o de emitir juízos de valor, fazer comentários preconceituosos e desvalorizar o testemunho da vítima.
O caso remonta ao período entre 2016 e 2022, durante o qual o arguido manteve uma relação com a vítima, com quem acabou por casar e, mais tarde, divorciar-se. Segundo o processo, o homem exercia controlo sobre a companheira, limitava os seus contactos sociais e criticava a sua forma de vestir, com expressões como “mulher minha não se veste assim”. Os relatos incluem episódios de insultos, agressões físicas e intimidação psicológica.
Durante o julgamento em Santarém, o juiz questionou repetidamente a vítima sobre a sua decisão de casar com o arguido, mesmo após os primeiros episódios de violência. A certa altura, confrontado com a explicação de que estava apaixonada, o magistrado respondeu de forma exaltada:
“A paixão não desculpa tudo! A senhora é um ser racional…”. Em outro momento, sugeriu que a mulher teria mentido, afirmando: “A senhora fazia como fazem as mulheres, mentia (…)”.
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Desvalorização da vítima e falhas na análise da prova
O juiz interrompeu o depoimento da mulher para lhe dizer que “a verdade é comigo”, pedindo-lhe que se acalmasse para que as suas declarações fossem “válidas e entendidas”. Apesar das declarações da assistente e das testemunhas, o tribunal absolveu o arguido, decisão da qual a vítima recorreu.
Na análise do recurso, os desembargadores da Relação de Évora afirmaram que o magistrado não pode projetar-se na vítima, nem esperar que esta reaja da forma que ele próprio considera lógica. Segundo o acórdão, os comentários e preconceitos demonstrados comprometeram a avaliação das provas, nomeadamente as declarações da assistente e das testemunhas que confirmaram um padrão de controlo e violência psicológica.
A Relação condenou o arguido a dois anos e quatro meses de prisão, com pena suspensa, e ao pagamento de uma indemnização de 1500 euros à vítima.
Reincidência de julgamentos marcados por estereótipos
O caso reacende o debate sobre decisões judiciais em que se perpetuam estereótipos de género e preconceitos. Não é o primeiro episódio do género em tribunais portugueses. Em 2017, um juiz da Relação do Porto minimizou a agressão a uma mulher com uma moca de pregos, justificando o ato com um alegado adultério. Em 1989, o Supremo Tribunal de Justiça sugeriu que duas turistas tinham contribuído para a sua própria violação por pedirem boleia, numa zona descrita como território do “macho ibérico”.
Estes casos continuam a levantar sérias questões sobre a sensibilidade da justiça portuguesa no tratamento de crimes de violência contra as mulheres, em particular no reconhecimento da violência psicológica como forma de abuso grave e punível.
M.S.
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